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O canto da vacina e o preocupante placebo

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Não é preciso "dar um google" para ver o que as casas legislativas, municipais e estaduais, de norte a sul do Brasil viraram: uma fábrica de venda de ilusões sob a esteira dos acontecimentos da Covid-19. Por aqui, em Santa Maria, o caminho tem sido trilhado por políticos que buscam - providos das melhores intenções (mas delas o Inferno está aglomerado) - assegurar a vacinação a 100% da população. 

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Desta forma, vereadores desfilam projetos em que, cada um conforme o próprio entendimento, apresentam grupos prioritários e profissionais que devem ser vacinados. O fato é que, no momento atual, em que passamos a viver em uma sociedade pandêmica, é inevitável não dizer (de novo) o óbvio: não há, por enquanto, imunizantes para todos. 

As promessas, algumas descabidas de alguns políticos, lembram A Odisseia de Homero em que o canto da sereia iludia os marinheiros com a uma melodia envolvente daquelas musas marítimas ardilosas. Praticamente náufragos, com uma quase perda da consciência, após longo período em alto-mar, eles eram subjugados, destruídos e devorados sem piedade.

Acontece que o fascínio, provocado por iniciativas louváveis de alguns políticos, pode causar a perda de consciência do público que passa a ver toda e qualquer iniciativa como sendo a tábua de salvação. O que não precisamos é que, para não sermos enfeitiçados, tenhamos de adotar a postura de Ulisses de nos amarrarmos ao mastro do navio para não cair no canto da sereia. 

Neste caso, aqui, não podemos cair em propostas absurdas de vereadores. Ainda que o cenário, seja de uma ligeira melhora logo ali adiante, os acenos dos políticos se assemelham muito ao que Kafka definia ser uma promessa frustrada de felicidade. 

Talvez a solução para o atual momento - ou, ao menos, em parte -, seja termos a consciência de que nem sempre há como se livrar do problema, como dizia o escritor alemão. Mas há, sim, como extirparmos a angústia que certo problema nos traz. Ser astuto, como Homero, ou lúcido, sem ser derrotista, como Gregório de A Metamorfose de Kafka, pode ser um caminho a trilharmos.

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Marcelo Martins